PACOTILHA: POESIA SATÍRICA
PACOTILHA: jur. pequeno volume livre de frete e de ônus fiscais. Artefato grosseiro e mal-acabado... Diminutivo de pacote. De má qualidade, de pouco valor.
Muitas foram as “Pacotilhas poéticas” editadas no Brasil. Mais de uma delas pode ser consultada na magnífica biblioteca Brasiliana de Guita e José Mindlin, hoje no território da Universidade de São Paulo e pela web, ou na coleção imperial da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Uma delas é a que saiu publicada no Correio Mercantil entre 1851 a 1854, sob os auspícios do Partido Liberal, na época em que lá trabalhava Manuel Antônio de Almeida, autor do célebre romance Memórias de um Sargento de Milícias, a quem são atribuídos muitos dos poemas satíricos do conjunto. Autores anônimos, mas alguns reconhecidos pela crítica, atividade literária de grande popularidade no Brasil imperial e da primeira república, e sucedâneas. Muitos dos poemas estão na web, mas vale a pena ressaltar a edição da editora Martins Fontes, sob a coordenação de Mamede Mustafa Jarouche. Vale a pena ir a esta obra para ler os poemas, embora se trate de uma seleção dos originais, cuja ortografia dos textos foi atualizada, acrescida de notas explicativas para recuperar os significados, quando possível pois algumas continuam obscuras.
ANTONIO MIRANDA
Uma brevíssima seleção da seleção, extraída de:
POESIAS DA PACOTILHA (1851-1854). Org. Mamede Mustafa Jarouche. São Paulo: Martins Fontes, 2001. XLIV+178 p. ilus p&b Ex. bibl. Antonio Miranda
Oh! Que corja de marrecos
Se junta na Ucharia
Falando da vida alheia
Toda a noite e todo o dia!
Desde manhã até a noite
Sentados ali a palrar
Não se lembrando que têm
Suas dívidas a pagar!
19/1/1852
SONETO
Que ao respeitabilíssimo e honradíssimo Berro O.D.C. *
O seu reverente respeitador
Poeta Vassourense
Jorram-me as lágrimas, corre-m’o catarro,
E todo me arrepio com tal erro
Que arrumou-nos por pulha o Sr. Berro,
Que mesmo não sei se é Berro ou Barro.
Oh! de raiva contra um rochedo esbarro;
Remordo-me, retruco, e dou a perro!
Com Barros nada quero, nem mesmo a ferro!
Com Berro inda menos: tudo varro.
De rancor e despeito quase mirro
E rompo em cachação e soco e murro
Co’o ratão que chamar-se Berro ou Birro
Irra! O nome arranha e cheira a esturro;
Arrenego, repilo (e nisto embirro)
Tal Barro, Berro, Borro, Burro.
28/3/1852
ELEIÇÕES
Na conquista das suaves
Empregam todo o furor
Os agentes da polícia
Desenvolvendo perícia
Digna de todo louvor
Nas diversas freguesias
Brilha a saquaremada,
Demitindo, corrompendo,
Ameaçando, prendendo,
A gente subordinada.
Do pão-de-ló do tesouro
Saíram boas fatias
Para os subdelegados
Darem aos afeiçoados
Pelo correr destes dias.
Devemos, meu Carijó,
Acabar com a eleição;
Basta de tanta mentira;
O lucro que o povo tira
É a desmoralização.
Abre-se a cabeá velha;
Quem quiser ser deputado
Vá logo lugar tomando,
Vá dos negócios tratando
Para salvação do Estado.
O Poeta de Paquetá
14/10/1852
DIÁLOGO ENTRE DOIS POETAS A RESPEITO
DE UM DÂNDI QUE PASSAVA A CAVALO
O admirador
SONETO
B. Este moço que quer? — S. Ser deputado.
B. Por que espera ele ser? — S. Porque cabala.
B. Ele sabe falar? — S. Oh lá se fala!
B. E que ofício tem ele? — S. Ele é formado.
B. Que lucra-se com isto? — S. O ordenado.
B. E chega-lhe? — S. Até regala.
B. Para que o paga a nação? — S. Para disputa-la.
B. Que rende isso afinal? — S. Ser magistrado.
B. Ele tem instrução? — S. Não vale um ovo.
B. Tem virtudes, tem honra? — S. Mas tem tretas.
B. Eu duvido que saia. — S. Pois é novo?
B. Que diabo! — S. Não fale: olhe a gazeta.
B. E o povo os quererá? — S. Se o quer o povo!!
B. E o bem da pátria então? — Qual pátria? Peta.
7/8/1853
Página publicada em janeiro de 2016.
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